Carolinos e a guerra do Norte

  Responsáveis pela manutenção da Suécia como uma potência Europeia nos séculos XVII e XVIII, os karoliner serviram como uma das mais formidáveis e inovadoras tropas de infantaria da Idade Moderna no cenário escandinavo. Fazendo uso de táticas inovadoras, principalmente para compensar a falta de contingente no exército sueco, os karoliner acabaram por se estabelecer como uma famigerada e bastante eficiente força de infantaria nas guerras do norte.

   Por mais que a Suécia já tivesse iniciado uma reforma em seu exército desde o reinado de Gustavo II Adolfo, na preparação para a Guerra dos Trinta Anos, novas reformas foram aprovadas a partir do reinado de Karl XI, em 1682, visando modernizar e aperfeiçoar o modelo antigo. Os soldados desse novo exército sueco passaram a ser chamados de “karoliner”, devido ao nome do rei.

               Devido à falta de contingente que permeava a situação militar sueca, o treinamento desses soldados era bastante rígido. já que qualquer grande perda de pessoal em uma batalha poderia pôr todo o poderio militar sueco em cheque, inclusive também o seu status como uma potência europeia. A ferramenta mais usada para manter a estrita disciplina entre as tropas era a religião, que assumia uma posição de suma importância na vida dos soldados, tanto em campanha quanto fora dela.

Soldados suecos em comunhão após uma vitória

               O uniforme dos karoliner era composto de um sobretudo azul com mangas amarelas, além de calças brancas e uma blusa também amarela. Na cabeça, os soldados utilizavam um chapéu tricórnio ou um chapéu quadrangular chamado de karpus. Como armas, os karoliner usavam mosquetes de fecho de pederneira na maioria das vezes, por mais que ocasionalmente alguns modelos mais antigos ainda estivessem sendo usados. Para combate em curta distância, os soldados usavam rapieiras.

               Na organização das formações suecas, também era comum o uso de piqueiros, geralmente na terceira e quinta fileiras, enquanto os granadeiros se posicionavam nos flancos das formações. O uso de piqueiros em suas fileiras proporcionava uma diferença gritante das formações europeias da época, que aos poucos estavam deixando de usar os piques em favor da baioneta, que por sua vez só era usada pelos granadeiros suecos até 1704. A organização do exército sueco favorecia táticas extremamente agressivas, as quais eram extensivamente usadas pelos seus soldados. A tática padrão do exército sueco era a Gå–På, que significa “avanço”.

               Os karoliner avançavam calmamente, na direção do fogo inimigo, até receberem a ordem de dispararem quando “vissem o branco dos olhos de seus inimigos”, uma distância que é de aproximadamente 50 metros. Assim que as fileiras da frente disparassem, elas trocavam de lugar com as fileiras anteriores, que se aproximavam mais 30 metros antes de disparar novamente, e logo todos os mosqueteiros sacavam suas espadas e lançavam-se contra as fileiras inimigas, que geralmente fugiam em desespero. Os piques eram usados como uma arma ofensiva durante a carga, possuindo a vantagem do alcance contra as baionetas inimigas e geralmente acertando primeiro os adversários, contribuindo também como um fator psicológico.

               Essa tática, apesar de ter sofrido ligeiras modificações ao decorrer da Grande Guerra do Norte, levava em consideração a simples matemática do tempo de recarga dos soldados do inimigo, que demorava entre 1 a 2 minutos para terminar. Esse tempo era suficiente para que os karoliner avançassem, no máximo, 80 metros marchando ou 150 metros correndo, a distância necessária para que os mesmos efetuassem seus disparos à queima-roupa, com poucas chances de erro.

               Os disparos nessa proximidade causavam uma devastação maior na infantaria do oponente, que ficava enfraquecida e se via tendo que conter um avanço de curta distância logo após os salvos, algo que também causava um pesado impacto psicológico nos soldados que lutavam contra os suecos. A principal função por trás do desenvolvimento e emprego dessa tática era, na verdade, a esperança de poder superar o exército inimigo, que geralmente possuía a superioridade numérica, através da qualidade, agressividade e disciplina. Algo que, muitas das vezes, funcionava de uma forma decisiva.

Organização de uma coluna do exército sueco

               Entre as principais batalhas combatidas pelos karoliner, estão a Batalha de Narva e a Batalha de Fraustadt. A Batalha de Narva ocorreu em 30 de Novembro de 1700, um embate entre o Império Sueco e o Czarado da Rússia. Apesar de estar atrasada tecnologicamente em relação a outras nações europeias, a Rússia possuía grandes ambições territoriais, principalmente em relação às possessões suecas no Báltico. Para concretizar suas ambições, Pedro I formou uma aliança com Frederico IV da Dinamarca-Noruega e Augusto, o Forte, da Comunidade Polaco-Lituana e eleitor da Saxônia, cujo propósito era o de atacar a Suécia por todas as direções, e dessa forma iniciando a Grande Guerra do Norte.

               Após o rei Karl XII mover-se para forçar a Dinamarca-Noruega a se retirar da aliança, os russos moveram seu grande, mas mal equipado e despreparado exército em direção à cidade de Narva, na atual Estônia, na esperança de tomá-la a partir de um cerco. Rapidamente, a força de alívio sueca, de 10500 homens, comandada pelo próprio rei Karl XII e o general Karl Gustav Rehnskiöld se aproximou para engajar os 37 mil soldados russos, liderados pelo general Charles Eugène de Croÿ, o próprio czar estaria presente na batalha, se o mesmo não houvesse se retirado dias antes, presumindo que o rei sueco não atacaria diretamente suas forças que estavam em superioridade numérica, e tendo que resolver importantes problemas domésticos na Rússia.

               O cenário da batalha foi marcado por sucessivas nevascas, que impediram que ambos os exércitos tomassem a iniciativa, mas ao meio dia os ventos mudaram e lançaram a nevasca na direção dos russos, deixando os suecos livres para o ataque. Os karoliner conseguiram, com facilidade, penetrar nas linhas russas e, dessa forma, dividi-los e dizima-los, até eles se renderem. A batalha teve um resultado desastroso para os russos, que perderam mais de 9 mil homens e tiveram outros 20 mil capturados, junto com todos os seus 195 canhões e o restante dos mosquetes e espadas. Os suecos perderam 667 homens, e outros 1247 ficaram feridos. A derrota em Narva impulsionou a modernização do exército russo, e forçou um preparo melhor para o exército de Pedro, o Grande, na luta contra os suecos.

               A Batalha de Fraustadt ocorreu em 13 de Fevereiro de 1706, entre o Império Sueco e o exército da Saxônia, apoiado por um contingente russo. Como Augusto, o Forte, da Polônia estava com um contingente de 8 mil cavaleiros próximo do local onde o exército sueco se encontrava, o general Karl Gustav Rehnskiöld decidiu se apressar para engajar o exército de Johann Matthias von der Schulenburg, um general saxão servindo o rei Augusto II. O exército de Schulenburg estava mal posicionado, induzido ao erro pelas forças suecas, que se retiraram para Fraustadt, atual Wschowa, na Polônia, para dar a impressão que seu exército estava batendo em retirada total.

               O general Schulenburg mordeu a isca, e optou por perseguir os suecos, tomando uma posição defensiva perto da cidade. A batalha começou com o emabte entre a infantaria sueca e a saxã, que estava combinada com a russa e em maior número se comparada com a sueca. Mesmo sob intenso fogo inimigo, Rehnskiöld atacou o centro da infantaria saxã e, após perceber que a ala esquerda da infantaria era composta por russos, concentrou seu ataque nela, eventualmente quebrando o centro saxão. O devastador ataque foi acompanhado de duas outras cargas de cavalaria, em números maiores que os saxões, atacando diretamente ambos os flancos, que não tardaram para baterem em retirada, fazendo com que os saxões, cercados, se rendessem rapidamente.

               Dos 9400 suecos presentes na batalha, 452 morreram e 1077 ficaram feridos, enquanto dos 20 mil presentes no exército saxão, 7337 foram mortos e outros 7300 a 7900 foram capturados. A batalha não foi só notável pelo exímio uso da tática de pinça por Rehnskiöld, mas também pela execução em massa de 500 prisioneiros russos. A vitória em Fraustadt não só abriu caminho para que Karl XII invadisse a Polônia, mas também fez com que Augusto II renunciasse a coroa polonesa, mesmo permanecendo como eleitor da Saxônia.

Os karoliner avançando contra os russos na Batalha de Narva

               Mesmo com importantes e decisivas vitórias ao longo da Grande Guerra do Norte, o pior cenário possível ocorreu para o exército sueco após a Batalha de Poltava, onde aproximadamente 70% de todo o exército sueco morreu devido à doenças, fome e exaustão. Por mais que a Batalha de Poltava não tivesse encerrado a guerra, ela decidiu o seu futuro em favor dos russos. Como o exército sueco não mais possuía um grande contingente, ele começou a sofrer uma série de derrotas, que piorou com a morte de Karl XII em 1718, após tomar um tiro na cabeça durante o Cerco de Fredriksten, na Noruega.

               O exército sueco perdeu ainda mais homens na Catástrofe de Øyfjellet, quando uma nevasca matou vários soldados que estavam tentando cruzar os alpes noruegueses de volta para a Suécia. Ainda assim, a guerra continuou, mas apenas com uma presença naval sueca, até que eles finalmente foram forçados a aceitar a paz dos russos em 1721, assinando os tratados de Frederiksborg, Estocolmo e Nystad, garantindo uma grande parcela do antigo território sueco, incluindo a Finlândia e outras possessões bálticas, para a Rússia. Tensões internas suecas após a morte de Karl XII abriram caminho para a Era da Liberdade, em que o parlamento sueco assumiu um controle maior dos assuntos de Estado até 1772, com isso encerrando a história da Suécia como uma potência europeia.

Levando o Corpo do Rei Karl XII da Suécia para Casa, Gustaf Cederström

               Mesmo lutando bravamente para manter o status da Suécia como uma grande potência europeia no século XVIII, os karoliner foram vítimas do crescente poder militar russo e a sua sede de conquista. Apesar disso, suas táticas inovadoras marcaram o cenário de guerra europeu, e também se transformaram em um dos símbolos da Grande Guerra do Norte. Destemidos guerreiros, os karoliner enfrentaram todo o tipo de adversidades e conseguiram se estabelecer como um dos exércitos mais bem treinados e disciplinados da Europa.

Fontes:
BAIN, R. N. Charles XII and the collapse of the swedish empire, 1682- 1719. Estados Unidos: Nabu Press, 2010. 394 p.
ROBERTS, M. Sweden’s age of greatness, 1632–1718. Reino Unido: Macmillan, 1973. 324 p.
ÅBERG, A.; GÖRANSSON, G. Karoliner. Suécia: Bra Böcker, 1976. 193 p.

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