Os cavaleiros novgorodianos, inimigos de mongóis e cruzados





Defendendo seus territórios de seus mais variados rivais e adversários ao longo da idade média, os cavaleiros da República de Novgorod se elencam entre os mais capazes e o
rganizados dos principados russos medievais. Tendo de lutar contra invasores vindos igualmente da Ásia e da Europa Ocidental, a República de Novgorod se situava em uma verdadeira encruzilhada repleta de inimigos. Contra esses insistentes oponentes, os cavaleiros novgorodianos utilizavam o melhor das táticas que seus adversários poderiam prover, e dessa forma se estabeleceram uma das mais capazes forças de cavalaria antes da unificação da Rússia.

 Antes de se tornar uma república mercantil independente, Novgorod era uma das principais cidades do Principado de Kiev, atuando principalmente como entreposto comercial e conectando maritimamente o restante do principado com a Europa Ocidental através de rotas de comércio. No entanto, a partir do reinado do Grão-Príncipe Vladimir de Kiev, no fim do século X e no início do século XI, a aristocracia novgorodiana começou a usufruir de maiores privilégios devido à relação próxima com o centro de poder em Kiev. Esse foi um dos principais fatores que contribuíram para uma crescente autonomia por parte de Novgoro. Essa autonomia se transformaria em independência enquanto o Principado de Kiev começara a se fragmentar e ruir em diversas disputas sucessórias que foram causadas pelo sistema de heranças de Kiev, em que a maior porção de terras, ao invés de passar de pai para filho, passava para o membro mais velho da dinastia, geralmente o irmão do rei. A partir de então, Novgorod se auto-geriu como uma república mercantil mista, em que príncipes de outras monarquias russas e o arcebispo local dividiam o governo, que possuía alguns elementos democráticos, em que a população geral se reunia em uma veche, ou assembleia pública, para decidir os rumos da república.

 

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Extensão máxima da República de Novgorod no início do século XV

 

 Por estar localizada em um verdadeiro caldeirão de influências culturais, essa mistura cultural também acaba por se refletir nas próprias táticas militares e equipamentos da sua principal força de combate, a cavalaria. Os cavaleiros novgorodianos utilizavam, como armadura, uma jaqueta feita de placas lameladas por baixo de uma túnica de linho. Em outras ocasiões, eles também poderiam usar uma armadura de cota de malha.

               Os capacetes que esses cavaleiros usavam eram, geralmente, cônicos ou redondos, podendo ter uma máscara para proteção facial, ou até mesmo uma camada de cota de malha para cobrir a mesma função. Também para proteção pessoal, os cavaleiros novgorodianos utilizavam um escudo de madeira, geralmente redondo ou em formato de gota.

               As armas empregadas por esses cavaleiros eram variáveis. Era comum, no entanto, a utilização de um sabre ou espada reta, em conjunto com o arco e flecha e um machado de combate. Outros tipos de armas que poderiam ser utilizadas eram maças, adagas, lanças e dardos. Os dardos, por um lado, se tornaram um componente universal dos exércitos dos principados russos, incluindo Novgorod, como um contraponto à cavalaria arqueira dos nômades da Ásia Central, principalmente os tártaros e mongóis.

               As tropas de cavalaria da República de Novgorod, como exemplificado pelo tipo de armadura que eles utilizavam, era similar em equipamento e táticas aos nômades turco-mongóis. Isso significa que boa parte de sua influência militar tenha surgido na Ásia, mas não significa que não havia influências da Europa ocidental. Uma das principais táticas que eram utilizadas pelos cavaleiros de Novgorod era a carga de cavalaria, mas ela caiu rapidamente em desuso já que era virtualmente ineficaz contra as hostes turco-mongóis.

               A partir de então, as formações de cavalaria da República de Novgorod eram feitas em crescente, com a cavalaria pesada no centro das linhas aliadas. Essa formação era particularmente útil, já que impedia que o ataque pelos flancos tão comum entre os nômades da Ásia Central fosse muito eficiente. Essa formação também se tornava extremamente bem sucedida contra os cavaleiros da Europa ocidental, principalmente aqueles da Ordem Teutônica. No entanto, contra esses mesmos adversários, era igualmente comum o emprego das mesmas táticas utilizadas pelos tártaros, que consistia em um avanço inicial de cavalaria arqueira e da falsa retirada, para assim coordenar um ataque pelos flancos.

               Em questão de organização, a cavalaria de Novgorod era levantada através do sistema de milícias que era comum em todos os principados russos. No entanto, o que diferenciava a República de Novgorod de outros Estados sucessores do Principado de Kiev era o fato de que era dela que vinha a menor quantidade de milicianos recrutados no setor urbano, e junto a isso a leva da milícia rural era maior se comparado aos outros principados. Como uma parte considerável dos cavaleiros de Novgorod eram recrutados da milícia citadina, uma parte de seus recursos advinha da própria república. O exemplo disso é que os cavalos utilizados por eles, caso não possuíssem, eram reunidos pelo próprio arcebispo de Novgorod na véspera de uma grande batalha ou campanha.

 

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Carga da cavalaria de Novgorod

Duas das principais batalhas as quais a República de Novgorod lutou para manter a sua soberania foram a Batalha do Neva e a Batalha do Lago Peipus. A Batalha do Neva ocorreu em 15 de julho de 1240, entre o exército da República de Novgorod contra uma força invasora do Reino da Suécia, que estava se aproximando através do Rio Neva. Como somente existem relatos russos sobre essa batalha, é difícil de averiguar com certeza a sua decorrência e real importância. No entanto, de acordo com a Primeira Crônica de Novgorod, escrita no século XIV, os invasores suecos prepararam uma ofensiva contra a República de Novgorod na intenção de, inicialmente, tomarem o Lago Ladoga e, após isso, conquistarem toda a república para si.

  Ao saber disso, o príncipe Alexander Nevsky reuniu seus cavaleiros, e foi de encontro contra os inimigos escandinavos. O resultado da batalha foi uma grande vitória para Novgorod, mantendo a integridade e soberania da república a salvo contra esses invasores, fazendo com que Alexander ganhasse seu apelido, “Nevsky”, por conta da batalha. No entanto, a ausência de relatos suecos dessa batalha pode significar que ela não passou de mais uma das escaramuças fronteiriças que ocorriam entre os suecos e os novgorodianos, já que a Suécia acabara de se recuperar de uma guerra civil e provavelmente não possuía as forças necessárias para conduzir uma invasão da magnitude a qual foi relatada na Primeira Crônica de Novgorod.

  Uma outra possibilidade é a de que a batalha realmente ocorreu, mas de forma independente ao rei da Suécia, e as tropas invasoras foram levantadas pela aristocracia sueca que se opusera à centralização, com o auxílio do bispo Tuomas da Finlândia, que era majoritariamente independente. A preocupação do bispo era, justamente, os embates fronteiriços entre a Finlândia e Novgorod e uma possível invasão por parte dos novgorodianos. Independente da importância e da magnitude dessa batalha, seu resultado acabou por consagrar, na mentalidade russa, a relevância de Alexander Nevsky como um protetor dos russos contra seus inimigos europeus.

  A Batalha do Lago Peipus, também conhecida como Batalha no Gelo, ocorreu em 5 de abril de 1242, entre os cavaleiros da Ordem Teutônica contra a República de Novgorod. Essa batalha fez parte dos eventos da Cruzada do Báltico, direcionada contra os pagãos do Leste Europeu e os cristãos ortodoxos dos principados russos. Durante o conflito entre os novgorodianos e os suecos, a Ordem Teutônica aproveitou a oportunidade para lançar uma invasão contra o território da república. Para contra-atacar os teutônicos, a veche de Novgorod chamou Alexander Nevsky de volta, já que ele havia sido banido no ano anterior à batalha. Tentando aproveitar a extremada autoconfiança dos cruzados, Nevsky os atraiu até o Lago Peipus, na atual Estônia, que estava congelado. A Ordem Teutônica abriu a batalha com a típica carga de cavalaria, mas ela foi dificultada não só pelo terreno escorregadio, mas também pela presença da milícia de infantaria da República de Novgorod.

  Por um tempo considerável, os cruzados simplesmente não conseguiram penetrar nas formações novgorodianas. Dessa forma, quando eles começaram a se cansar, Alexander Nevsky os cercou ao lançar sua cavalaria contra eles. O aparecimento de uma nova força de combate fez com que os cavaleiros teutônicos se desesperassem, e iniciassem sua retirada. A ideia de que os cruzados teriam morrido afogado devido ao degelo do lago e ao peso de suas armaduras veio, na verdade, de uma concepção criada pelo filme Alexander Nevsky, de Sergei Eisenstein, lançado em 1938.

  No geral, a batalha possui um importante legado para a história russa, já que freou a expansão da Ordem Teutônica para o interior do Leste Europeu, e também impediu que eles ficassem com a cidade de Pskov, um ponto importante para guiar as cruzadas no Báltico. Desde então, a Ordem Teutônica nunca mais organizou uma grande ofensiva contra o território de Novgorod. Essa foi a batalha mais importante que consagrou a história de Alexander Nevsky, e por causa da sua ferrenha determinação diante dos invasores europeus, ele foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa em 1574.

 

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Alexander Nevsky derrotando um cruzado na Batalha do Lago Peipus

   Com o fim do domínio mongol sobre a Rússia, o Grão-Principado de Moscou assumiu como uma das principais potências do Leste Europeu em sua época. Isso fez com que Novgorod, particularmente, ficasse acuada com as políticas expansionistas de seu belicoso vizinho. As tensões entre Novgorod e Moscou começaram a partir do fim do século XIV, quando o Grão-Principado anexou algumas terras ao norte do Rio Dvina, que eram fundamentais para o comércio de peles da república. Tendo em vista a crescente ameaça apresentada pelo Grão-Principado de Moscou, a República de Novgorod tentou formar uma aliança com a Polônia e Lituânia, governadas pelo mesmo monarca.  No entanto, Ivan III de Moscou percebeu isso como uma violação do Tratado de Yazhelbitsy, em que foi concordado que todas as ações de política externa da República de Novgorod deveriam passar por aprovação prévia do Grão-Príncipe de Moscou. Isso fez com que Ivan III lançasse uma campanha contra a república em 1471, anexando boa parte de seu território após a vitória na Batalha do Rio Shelon, mas deixando a cidade de Novgorod virtualmente independente. Ainda assim, em 1478, Ivan III voltou para Novgorod na intenção de saqueá-la, destruiu a veche, junto com a biblioteca da cidade, e roubou o seu sino, que também era símbolo de sua independência. A partir de então, a República de Novgorod foi completamente anexada pelo Grão-Principado de Moscou.

 

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Prefeita Marta na destruição da veche de Novgorod, Kladviy Lebedev

  Fazendo parte do folclore russo apesar de sua visível derrota contra os hegemônicos moscovitas, a República de Novgorod foi fundamental para o desenvolvimento da história da Rússia como a conhecemos. Parte disso se deve à corriqueira utilização dos cavaleiros novgorodianos para a defesa de seu território, antes de sua anexação por Moscou. Portanto, a presença desses cavaleiros em diversas batalhas decisivas para manter a soberania de Novgorod acabaram por fazer com que eles entrassem para a história como protetores do solo russo, e impedindo a conquista europeia desse território.

Fontes:

SHPAKOVSKY, V.; NICOLLE, D. Medieval russian armies 1250 – 1500. Reino Unido: Osprey Publishing, 2002. 48 p.
HEATH, I. Armies of feudal Europe, 1066-1300. Reino Unido: Wargames Research Group, 1989. 159 p.
RIHA, T. Readings in russian civilization, volume 1: Russia before Peter the great 900-1700. Estados Unidos: University of Chicago Press, 2009. 266 p.

PIPES, R. Russia under the old regime. Estados Unidos: MacMillan, 1974. 361 p. 

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