Couraceiro Napoleônico

  Em uma época de mudança constante no modo de guerrear das nações, Napoleão, um mestre da artilharia, manteve alguns aspectos do couraceiro original intactos, e isso lhe deu uma grande vantagem sobre os seus inimigos. Enquanto a cavalaria do resto da Europa ficava cada vez mais leve, os couraceiros napoleônicos formavam a melhor cavalaria pesada do Império Francês.

               Os couraceiros são, praticamente, a versão dos grandes cavaleiros medievais na idade moderna. Por volta das guerras napoleônicas, as táticas com armas de fogo estavam sendo aperfeiçoadas por vários generais. Conforme as armas de fogo iam ganhando um espaço cada vez maior na guerra, as armaduras iam cada vez mais sendo deixadas de lado. Entretanto, Napoleão mudou esse cenário.

               Enquanto os regimentos de couraceiros iam desaparecendo, a França ainda manteve um deles. Entretanto, mas sob o comando de Napoleão Bonaparte, os couraceiros franceses sofreram uma grande reforma. O único regimento que restava acabou se transformando em 16. Seus equipamentos também sofreram mudanças de sua contraparte do século XVIII.

Carga dos couraceiros franceses

               Enquanto a maioria dos couraceiros ficava cada vez mais leve por volta da Europa, perdendo aos poucos o pouco de armadura que eles já tinham comparado aos séculos passados, os couraceiros napoleônicos mantiveram o aspecto de cavalaria pesada.

               Em sua icônica armadura, eles usavam um capacete que se diferenciava em alguns aspectos uns dos outros, já que cada soldado comprava o seu próprio. Também usavam as couraças que davam o nome ao tipo de cavalaria, mas, fora isso, eles usavam um uniforme próprio de cor azul e calças brancas, além das botas de couro negras.

               Como armas eles usavam uma espada longa e também uma pistola e carabina, apesar dos esforços deles para evitar usarem as carabinas, eles acabavam levando tanto a pistola quanto a carabina para o campo de batalha. A pistola servia, principalmente, para engajar adversários que estão em uma distância próxima, e a carabina era usada em escaramuças. Como o alcance da carabina era maior, os couraceiros franceses usavam-a em longa distância. Entretanto, a maioria preferia o combate direto usando suas espadas. As espadas longas usadas pelos couraceiros eram, principalmente, para ataques perfurantes, usado tanto na carga inicial quanto em cargas posteriores, atacando áreas vitais do inimigo.

               Como os cavalos dos couraceiros era de ótima qualidade, por mais fortes e resistentes que fossem, eles eram extremamente sensíveis à condições adversas como tempo e quantidade de comida. Por isso, os couraceiros não eram usados em funções típicas de cavalaria da época, como perseguir os inimigos em fuga. Os couraceiros napoleônicos eram usados, principalmente, com o papel de cavalaria de choque, atacando diretamente as fileiras inimigas. Justamente por serem pesados, sua manobrabilidade era difícil, e eles estariam vulneráveis caso isolados, enquanto juntos eles possuíam uma alarmante força contra o oponente.

Couraceiro francês contendo um colega

               Os couraceiros formavam a principal força do exército de Napoleão e participaram de várias batalhas. As mais notáveis entre elas sendo a Batalha de Marengo e a Batalha de Austerlitz. A Batalha de Marengo ocorreu em 14 de Junho de 1800, no decorrer da Guerra da Segunda Coalizão, estendendo as Guerras Revolucionárias Francesas.

               Após o incrível feito de cruzar os alpes para invadir a Itália durante a sua Campanha Italiana, Napoleão conseguiu pôr em risco as linhas de comunicação do general austríaco Michael von Melas, além de conquistar Milão, Pavia, Piacenza, Stardella e Lombardia. Napoleão acreditava que, enquanto Melas estivesse ocupado com o Cerco de Gênova, ele não enviaria tropas para resistir contra a sua ofensiva.

               Entretanto, Gênova tinha se rendido recentemente, e novas tropas estavam a caminho para se juntar com a força de Melas. Junto a isso, estava a confiança exacerbada de Napoleão, devido à recente vitória de Jean Lannes na Batalha de Montebello, e estava piamente convencido não só de que os austríacos não iriam atacar, como de que eles também estavam em retirada. Seguindo o conselho de um agente duplo, Napoleão avançou para a cidade de Alessandria e para a vila de Marengo, onde sabia que o general Peter Ott, derrotado em Montebello, estava.

               Apesar disso, Napoleão não fazia ideia de onde o general Melas e seus homens estavam, e por isso espalhou seus generais, junto de seus respectivos exércitos, através da região. Os austríacos, dessa forma, cruzaram um rio próximo e lançaram um ataque diretamente nas posições francesas, pegando-os de surpresa. Napoelão demorou 2 horas para perceber que a fumaça próxima não era um ataque de distração para cobrir a retirada de Melas, mas sim uma completa ofensiva do mesmo.

               Enquanto os austríacos forçavam o centro e o flanco direito das forças francesas, que resistiram duramente com a sua cavalaria, Napoleão tinha chegado ao campo de batalha e enviou mensagens urgentes para que seus generais espalhados se reunissem em Marengo. O general François Étienne de Kellerman, líder da brigada de couraceiros, repeliu todos os ataques que os austríacos enviavam, mas isso não foi o suficiente para que os austríacos conseguissem tomar a vila de Marengo e conseguissem abrir espaço para que a Guarda Consular de Napoleão fosse destruída pela sua cavalaria.

               Os austríacos começaram a se reorganizar, ao mesmo tempo em que os franceses perdiam território e iam se retirando, os flancos austríacos ficaram muito reforçados enquanto o seu centro estava visivelmente frágil. O contra-ataque francês viria quando o general Louis Desaix apareceu rapidamente com o seu exército reforçando as linhas francesas, enquanto o exército austríaco claramente demorava em suas manobras de ataque. A velocidade, entretanto, foi essencial para a virada.

               A pedido de Desaix, Napoleão fez com que o recém-chegado general lançasse uma carga de cavalaria nos austríacos, enquanto a artilharia bombardeava-os. A confusão nas linhas austríacas aumentou quando a munição da artilharia austríaca simplesmente explodiu, deixando-os assustados e vulneráveis aos ataques, o que ocasionou a retirada austríaca.

               Por mais que a vitória em Marengo marcasse todo o sucesso de Napoleão na sua campanha italiana, ela acabou por custar a vida de Desaix, que morreu durante o contra-ataque francês que ele liderou pessoalmente. Dos 24 mil franceses envolvidos, 1100 morreram e outros 3600 ficaram feridos. Quanto aos austríacos, dos seus 31 mil homens, 6000 estavam entre os mortos e feridos.

               A Batalha de Austerlitz ocorreu em 2 de Dezembro de 1805. Também chamada de “Batalha dos Três Imperadores”, a Batalha de Austerlitz foi uma das batalhas mais importantes das guerras napoleônicas, além de também ter sido uma das mais brilhantes vitórias de Napoleão Bonaparte.

               Os franceses já tinham capturado Viena em novembro daquele ano, forçando os austríacos a esperarem um reforço russo para realizarem novos movimentos. Napoleão fez o que pode para convencer os aliados da terceira coalizão a acreditarem que o exército francês estava em um estado deplorável e extremamente enfraquecido, inclusive desistindo dos morros de Pratzen, um terreno estratégico de suma importância, e que faria parte da estratégia total de Napoleão.

               No lado aliado, os austríacos preferiam uma tática defensiva, considerada suicida pelos russos, que perceberam a necessidade francesa de entrar em uma batalha e resolveram perseguir e prensar os franceses. A intenção dos russos era atrair os franceses até a região da Galícia, na atual fronteira entre a Polônia e a Ucrânia. Entretanto, Napoleão insistiu de múltiplas formas em seu ardil para fazer com que os inimigos acreditassem que ele estava fraco, e essa impressão foi causada com sucesso.

               Quando os aliados avançaram para a vila de Austerlitz, eles não faziam a mínima ideia de que o exército inicial de Napoleão, por mais que estivesse em desvantagem numérica, estava apoiado por uma força ainda maior do que aparentava. O plano de Napoleão era atrair o exército aliado para o seu flanco direito, que estava enfraquecido, enquanto o destacamento do marechal Louis-Nicolas Davout capturava os morros de Pratzen e, de lá, avançava sobre o centro aliado que estaria enfraquecido devido ao ataque nos flancos, expondo a retaguarda e efetivamente massacrando o exército aliado.

               O plano, entretanto, era arriscado e necessitava que até os mínimos cálculos temporais estivessem corretos. Como Napoleão previra, os aliados atacaram direto o flanco direito de Napoleão, ficando expostos a um ataque pelo centro. Enquanto os aliados expulsavam os franceses da vila de Telnitz nas proximidades, os homens de Davout se lançaram contra as posições aliadas enfraquecidas e assegurou a vitória francesa com uma retirada aliada. Além da coordenação temporal precisa, fundamental para a vitória de Napoleão, o exército aliado demorou em suas manobras, o que os deixou ainda mais vulneráveis e suscetíveis a ataques, o que os fragmentou.

               A vitória francesa em Austerlitz foi humilhante para os austríacos, que se viram forçados a sair da coalizão ao assinar o Tratado de Pressburg, que oficialmente dissolveu o Sacro Império Romano-Germânico e formou a Confederação do Reno, Estados alemães que seriam clientes de Napoleão, afetando todo o curso das guerras napoleônicas. Dos 74 mil franceses, contando com os 7 mil do reforço de Davout, 1305 foram mortos e 6940 foram feridos. Entre os 73 mil dos aliados, 16 mil estavam entre os mortos e feridos, selando uma das maiores vitórias de Napoleão.

Napoleão na Batalha de Austerlitz, François Gerard

               Quando Napoleão caiu, em 1815 com a derrota em Waterloo e foi para o exílio em Sta. Helena, os couraceiros mantiveram seu status como força de combate na França. O que, de fato, levou a sua queda foi o surgimento de novos equipamentos e novas táticas enquanto o mundo inteiro passava por um processo de modernização de equipamentos e táticas de combate.

               Os regimentos de couraceiros, entretanto, continuaram sendo usados, inclusive na primeira guerra mundial, e continuam vivos até hoje na França moderna, servindo como regimentos de cavalaria atual, usando tanques de guerra ao invés dos grandes cavaleiros de couraça armados com pistolas e carabinas.

Couraceiros franceses marchando em Paris, 1914

               Mudanças não significaram nada para os grandes couraceiros napoleônicos, que continuaram resistentes mesmo com o fim da França napoleônica. Foi com a ajuda deles que Napoleão transformou derrotas certas em vitórias decisivas e vitórias certas em grandes e gloriosas vitórias. Os couraceiros napoleônicos podem ter deixado de existir, mas ainda são motivo de orgulho para o povo francês.

FONTES:
BUKHARI, E. Napoleon’s cuirassiers and carabiniers. Reino Unido: Osprey Publishing, 1977. 48 p.
HAYTHORNTHWAITE, P. Napoleonic heavy cavalry & dragoon tactics. Reino Unido: Osprey Publishing, 2013. 64 p.
MUIR, R. Tactics and the experience of battle in the age of Napoleon. Estados Unidos: Yale University Press, 2000. 352 p.
ELTING, J. R. Swords around a throne: Napoleon’s Grand Armee. Estados Unidos: Da Capo Press, 1997. 784 p.

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