A Velha Guarda

 


Sendo considerados a elite da elite do exército de Napoleão Bonaparte, a Velha Guarda era composta pelos mais antigos, e portanto mais experientes, soldados franceses. Compostos de uma bravura incomum, até mesmo se comparados com outros soldados do mesmo exército, a Velha Guarda era a mais prestigiosa e especial unidade da Grande Armée, e uma das partes mais importantes da Guarda Imperial de Napoleão.

               A Velha Guarda começou sua atividade no ano de 1804, e desde então ela sempre fora composta pelos mais experientes soldados do exército francês. Acredita-se, também, que Napoleão escolhia a dedo os integrantes da Velha Guarda, principalmente devido a sua característica física mais imponente: a sua altura. Todos os membros da Velha Guarda tinham, na média, uma altura de 1,85 m. Além disso, os pré-requisitos para se fazer parte da guarda eram mais exigentes. Todos deveriam ter, no mínimo, 10 anos de serviço militar, ter lutado em pelo menos 3 campanhas, e ter sobrevivido à linha de frente do exército, literalmente sob fogo inimigo.

               Os membros da Velha Guarda, também, deviam ter menos de 35 anos quando entraram no exército. Com isso, vinham privilégios insólitos, como a permissão para reclamar abertamente sobre o serviço, até mesmo na frente do imperador. Por isso, eles eram conhecidos como “Os Resmungões”, sendo que se qualquer outro soldado ousasse fazer o mesmo que eles, sem ser da Velha Guarda, ele seria severamente punido. Em contraste, devido a sua fama de bravura e ao seu longo serviço, eles também eram chamados de “Os Imortais”.

Napoleão inspecionando a sua Guarda Imperial

               A infantaria da Velha Guarda era composta de 4 regimentos: 2 deles de granadeiros e outros 2 de chasseurs. O uniforme de ambos era semelhante, uma jaqueta azul com detalhes vermelhos na manga, blusa e calças brancas, com duas bandoleiras também brancas cruzando o peito. Entretanto, a peça do uniforme que de fato destacava os membros da Velha Guarda era o chapéu de pele de urso. Além disso, no braço direito de sua jaqueta, os membros possuíam divisas douradas, cada uma delas correspondendo a 10 anos de serviço, variando de membro para membro.

 O mosquete usado pela Velha Guarda era o mesmo padrão do exército francês da época, o mosquete Charleville modelo 1777, que continuou sendo usado até 1840. O que, de fato, distinguia a Velha Guarda do restante do exército francês, além de sua vasta experiência, era o rígido treinamento. Os membros da Velha Guarda possuíam o treinamento mais intenso de todo o exército francês, sendo cobrados de extrema bravura. Caso algum soldado da Velha Guarda demonstrasse o mínimo sinal de hesitação ou medo em combate, ele retornaria para mais uma série ainda mais rígida de treinamentos. 

Entre as práticas treinadas pelos soldados da Velha Guarda, estavam o combate com a baioneta e até mesmo o combate mano a mano, atuando principalmente na vanguarda das escalas francesas. Os granadeiros tinham como função abrir caminho pelas linhas ou fortificações inimigas usando as granadas, enquanto os chasseurs atuavam como infantaria ligeira, mas possuindo a função específica de atuarem em ataques rápidos contra o inimigo, além de serem precisos atiradores e conseguirem efetuar as manobras militares com alta velocidade.

A Velha Guarda francesa atuando em combate

 Por serem parte da Guarda Imperial de Napoleão, a Velha Guarda participou de várias batalhas famosas, entre elas a Batalha de Dresden e a Batalha de Ligny. A Batalha de Dresden ocorreu entre 26 e 27 de Agosto de 1813, parte da Guerra da Sexta Coalizão. Napoleão havia enviado o marechal Saint-Cyr para fortificar a cidade de Dresden 10 dias antes da batalha, que estava sob comando francês e na rota do ataque do exército da coalizão, composta pelos russos, austríacos e prussianos.

 A coalizão estava vindo de uma série de vitórias na campanha, principalmente devido ao Plano Trachenberg. Esse plano, moldado pela coalizão em 1813, consistia em evitar batalhas diretas contra Napoleão, e ao invés disso, focar em seus generais subalternos. O príncipe austríaco Karl Phillip de Schwarzenberg, no mesmo dia em que um general aliado havia derrotado os franceses na Batalha de Katzbach, atacou a posição de Saint-Cyr em Dresden, juntamente com as forças prussianas e russas, lideradas pelo rei Friedrich Wilhelm III e pelo tsar Aleksandr I, respectivamente. Pegos por um ataque inesperado, a esperança de Saint-Cyr era resistir o máximo possível até que os reforços chegassem, e de fato chegaram, junto com o imperador Napoleão.

 A chegada de Napoleão não era esperada pelas forças da coalizão, e foi decisiva para o decorrer da batalha. Com a sua chegada, quase todo o território ganho pelas forças da coalizão na batalha reverteram para o controle francês. Mesmo em desvantagem numérica, no dia seguinte, Napoleão comandou uma impressionante manobra militar, direcionando suas tropas para atacar o flanco direito do exército da coalizão, que não resistiu ao ataque e teve de bater em retirada. Apesar da retirada do exército da coalizão, Napoleão não conseguiu aproveitar mais a vitória devido a uma crise de dores no estômago, forçando-o a se retirar do campo de batalha e também possibilitando a fuga relativamente segura de Karl Phillip, Fürst von Schwarzenberg.

  Ao todo, dos 135 mil homens franceses que lutaram na batalha, 10 mil ficaram entre os mortos e feridos. Um constraste violento se comparado ao exército da coalizão, que de seus 214 mil homens, 38 mil ficaram entre os mortos, feridos e capturados. Entre os mortos do lado da coalizão, estava o antigo general de Napoleão, Jean Victor Marie Moreau, que recentemente tinha retornado de seu exílio nos EUA e, enquanto falava com o tsar, a quem servia como conselheiro de campo, foi atingido por um tiro e morto.

  A Batalha de Ligny ocorreu em 16 de Junho de 1815, parte da Campanha de Waterloo, sendo um embate entre Napoleão Bonaparte e o general prussiano Gebhard von Blücher. Enquanto os britânicos estavam ocupados com o marechal Michel Ney na Batalha de Quatre Bras, Napoleão resolveu focar o seu exército no que ele considerava a maior ameaça para si: o exército prussiano, que estava próximo ao exército britânico e cuja concentração seria desastrosa para os franceses. Napoleão, dessa forma, esperou que a batalha de Quatre Bras se iniciasse para marchar contra os prussianos, o que foi importantíssimo já que assegurou que Napoleão não seria atacado no flanco direito e deu tempo o suficiente para que o restante do exército francês se organizasse corretamente nas redondezas.

   


    

 Os franceses iniciaram o confronto com uma salva de fogo de artilharia contra os prussianos, que resistiram em suas posições, mas ficaram enfraquecidos com a luta. O meio francês, entretanto, ficou confuso com o decorrer da batalha, o que deu a chance para que os prussianos tentassem um contra-ataque. Entretanto, apesar de um sucesso inicial, eles foram rechaçados mais tarde pelos chasseurs da Velha Guarda. Percebendo o fracasso do contra-ataque prussiano, Napoleão então forçou a sua Velha Guarda para um completo e novo contra-ataque, esperando quebrar as linhas prussianas e levá-los à retirada.

 A tática de Napoleão deu certo, já que as linhas de Blücher não conseguiram sustentar o avanço dos veteranos franceses. Ao tentar liderar suas tropas em um último ataque, o cavalo de Blücher foi atingido e caiu em cima do mesmo, que teve de ser resgatado pelos seus oficiais, sendo retirado do campo de batalha em estado semi-consciente. Enquanto a Velha Guarda quebrava o centro prussiano e seu general não estava em condições de liderar seu exército, os prussianos não tiveram outra escolha além de bater em retirada.

 Dos 68 mil soldados de Napoleão, entre 8 a 12 mil ficaram entre os mortos e feridos, enquanto dos 84 mil prussianos, 12 mil ficaram entre os mortos e feridos, enquanto outros 8 mil desertaram no decorrer da batalha. O exército francês, decisivamente para os prussianos, não perseguiu o exército em retirada imediatamente. Dessa forma, os prussianos continuaram ligados ao exército de Wellington, o que teria um papel decisivo na futura Batalha de Waterloo. A Batalha de Ligny, então, se tornou a última vitória em toda a carreira militar de Napoleão.

Batalha de Ligny, Theodore Yung

               A Guarda Imperial napoleônica, como um todo, já tinha conhecido seu fim uma vez como resultado da Guerra da Sexta Coalizão, em 1814. Entretanto, quando Napoleão retornou de seu exílio em Elba, a Guarda Imperial foi recomposta no Governo dos Cem Dias e, após as lutas na Campanha de Waterloo, foi novamente desmantelada pelo recém-empoderado rei Louis XVIII em 1815.

               Dessa forma, cada membro da Velha Guarda encontrou um destino diferente. Alguns decidiram se realistar para servir ao rei, enquanto outros simplesmente passaram o resto de suas vidas como civis, com a sua liberdade vigiada pela polícia dos Bourbon. Entretanto, muitos deles mantiveram o seu respeito pelo antigo imperador, uma atitude demonstrada em 1840, já que muitos daqueles que sobreviveram desfilaram com seus uniformes quando o corpo de Napoleão retornou para a França.

O Adeus de Napoleão à Guarda Imperial, Antoine Alphonse Montfort

               Atuando com coragem onde a maioria dos soldados franceses iriam demonstrar hesitação, a Velha Guarda manteve-se como a principal elite não só do exército francês, mas também da Guarda Imperial como um todo. Mais tarde se tornando um símbolo do exército napoleônico, e um de seus principais ícones, a Velha Guarda ficou marcada na história da Europa como os melhores e mais experientes soldados das guerras napoleônicas, já que os mesmos serviram, várias vezes, como o trunfo de Napoleão em diversas vitórias, auxiliando na manutenção da glória do Império Francês.

Fontes(livros):

HAYTHORNTHWAITE, P. Napoleon’s guard infantry (1). Reino Unido: Osprey Publishing, 1984. 48 p.
ELTING, J. R. Swords around the throne: Napoleon’s Grande Armée. Estados Unidos: Da Capo Press, 1997. 784 p.
DUPONT, M. Napoleon et ses grognards. França: Lavauzelle, 1981. 190 p.
LACHOUQUE, H.; BROWN, A. S. K. The anatomy of glory: Napoleon and his guard. Reino Unido: Greenhill Books, 2006. 764 p.

Sites:

https://tormentopabulum.wordpress.com/2015/12/31/velha-guarda/

https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Guarda_Imperial_(Napole%C3%A3o)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Terço espanhol, a primeira infantaria que lidou com o problema de carregamento das armas de fogo

Gendarme: a cavalaria renascentista na França

Couraceiro(Cuirassier), resumo da história da cavalaria de couraça